quinta-feira, 25 de junho de 2009

Sexta-feira treze ou a perua na tempestade

Sexta feira treze! Como não pensei nisso antes?
Acordei e tomei o café da manhã com toda a calma.
Depois olhei pela janela do apê para ver como estava o tempo: chovia muito. Precisava escolher uma roupa bem transada para causar boa impressão. Afinal não é sempre que pinta uma oportunidade dessas: fui chamada para uma seleção de modelos fotográficos numa agência chiquérrima!
Fiz a maquiagem, carregando um pouco mais no sombreado dos olhos e no rímel. Escolhi a blusa verde limão, de babados fartos sobre o decote. Evidenciava os seios que eu turbinei com silicone, e que ficaram divinos! Vesti a calça Versace que tinha uns bordados em metal nas costuras laterais: um luxo! Escolhi os brincos dourados, novinhos em folha (as pulseiras,várias, foram colocadas uma a uma, numa ordem específica). Calcei as botas de salto-agulha que fazem as pernas parecerem mais torneadas.
Desci dez andares de escadas porque tinha faltado a luz.
Na rua, o vento era de virar guarda chuva do avesso.
Tentei pegar um táxi: parecem evaporar quando chove! Os bueiros das ruas, sempre entupidos, não davam vazão à água que caía.Mas o nível da água começou a subir demais: não era possível que viesse só da chuva. Vinha da praia, e vinha com força. Fui até à rua transversal e consegui ver o mar.
Paralisada, vi que as ondas eram gigantescas. Nem a pior ressaca que eu já tivesse visto poderia se comparar àquilo.
As pessoas começaram a correr. Eu tentava manter a classe, mas o nível da água, subindo, já formava uma correnteza capaz de me jogar no chão, e me segurei num poste.
Minhas lindas botas estavam inundadas. O salto agulha ficava preso nos buracos das calçadas de pedra portuguesa, me fazendo cair algumas vezes. Meu cabelo foi se desmanchando, os babados da blusa perdiam volume, eu estava encharcada e com muito medo! A minha bolsa caríssima foi-se embora na correnteza.
Já não se via onde terminava a calçada e começava a rua: era um mar de águas cobrindo tudo, e os carros eram arrastados pela correnteza.
Entrei num prédio onde o porteiro já tinha dado no pé: a portaria estava alagada, a água ia até a minha cintura. Não adiantou: a porta interna que dava para as escadas estava trancada. Saí depressa, com medo de morrer afogada, o nível da água continuava subindo.
Comecei a nadar. Tinha gente em cima das árvores, gente gritando, cachorro nadando.
Passei perto de um galho e o agarrei com muita força. Consegui me sentar nele, como um macaco.
A correnteza ficava cada vez mais forte.
Em outros galhos da mesma árvore estavam dois homens e uma mulher, em perigo, como eu, sentindo o cheiro da morte.
Durou muito tempo essa tortura, até que água foi baixando e eu desci da árvore, devagar, me perguntando onde estava o meu mundo perfumado de cosméticos e roupas.
Desviando dos destroços, andei pelas ruas em ziguezague.
De esgueira, e espiando, a cara dura da realidade.
Angela Nabuco

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